Ó Paisagem nua, Dor! - Monólogos Franjhunio: maio 2009

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Petofilia


Depois de velho tive a primeira experiência com um animal de estimação. Tomei conta de um gato durante uma semana. Foi legal, mas ao mesmo tempo nunca tive a sensação de ter maltratado tanto um animal. E olha que, como qualquer criança normal, já dei tiro de chumbinho em passarinho, coloquei sal em sapo, joguei peixinhos dourados na privada e etc.

Por mais cruel e inconsequente que tenha sido quando criança, nenhuma destas dores físicas (e em alguns casos até morte) que provoquei nestas “criaturinhas divinas” se iguala a tortura emocional que acredito que este gato tenha passado em minha companhia. Ou melhor, em minha ausência.

Tinha um gato em casa, mas continuei a viver minha vida normalmente. Saía, ia trabalhar, resolver paradas na rua e etc. E, a cada vez que eu saía, o bicho ficava miando na porta com um ar de desespero. E, quando voltava, dava para perceber uma certa mágoa por ele ter sido abandonado. Não que eu acredite que um gato tenha inteligência a ponto de saber o significado de mágoa. Mas estava claro que ele periferia estar acompanhado do que estar sozinho.

E aí eu comecei a pensar em toda esta indústria que se formou em torno de animais de estimação, ou “pets”. “Pet” também significa “fazer um cafuné”. Ou seja, ter um “pet” pode ser interpretado como possuir um animal que sirva para ser acariciado. O conceito de “ter um animal” foi completamente subvertido pela nossa sociedade de consumo.

Há exceções, mas o “animal de estimação” virou um provedor de carícias e pequenos truques que existe 24 horas por dia, mas que só tem a companhia de seu dono durante umas 10 horas e a sua real atenção e contato por uns 30 minutos diários (sendo otimista). Quando vemos os casos (e trata-se da maioria) em que o “pet” existe unicamente para suprir uma carência ou ser “animal de companhia” (mas que fica a maior parte de sua existência sozinho), isso é petofilia.

Petofilia é mais cruel do que matar uma vaca para comer a sua carne. Vegetarianos que fazem manifestações contra os matadouros também deveriam se revoltar contra os petófilos. Escravizar emocionalmente uma criatura é mais reprovável do que usá-la fisicamente para suprir uma necessidade. Tirando os casos onde existem crueldade e maus tratos (e aí a reclamação dos militantes tem a sua razão), tomar uma marretada na cabeça e morrer não acaba com os sonhos de uma vaca e nem provoca dor em sua família. Ela simplesmente morre e vai pro prato.

Vou mais longe e digo que a petofilia deixa os animais mais “traumatizados” do que a zoofilia. Uma cabra que está no pasto e é usada sexualmente pelo fazendeiro continua seguindo a sua vida normalmente. Está lá, comendo sua grama, dando seus rolés… Um cachorro que existe para ser passeado durante a manhã, ficar horas e horas sozinho em um apartamento até o dono voltar do trabalho, receber 10 minutos de “festinha”, depois ser trocado pela TV, ir dormir e acordar de novo para viver toda essa rotina de novo… E ainda sofrendo a cada saída porque tem uma tenção de que o seu dono pode não voltar… Pense bem: que animal que está sendo mais explorado pelo ser humano? A cabra, estuprada fisicamente mas que nem se dá conta disso? Ou o cão, estuprado emocionalmente dia após dia, vivendo esta vida vazia em troca de alguns momentos de festa?

E não me venham com este papo de que “não sou capaz de entender o amor entre um pet e seu dono”. Não estou dizendo que você não ama o seu pet ou que ele não ama ser sua propriedade. Adoriaria ter um cão ou um gato, mas sinceramente acho injusto que uma criatura exista e leve a sua vida em função de um capricho meu.

O relacionamento petófilo é desigual. Como uma menina de 10 anos, um cachorro não consegue entender os termos de uma relação, decidir o que é melhor para o seu prazer ou ter a consciência de porque aquilo tudo está acontecendo. Por isso que fazer sexo com crianças é reprovável. E ter um “pet” também deveria ser. Todo relacionamento desigual é emocionalmente estressante para a parte fraca e extremamente cômodo para a parte forte. Você faz seu “pet” sofrer todos os dias e ele não pode te fazer sofrer de volta. Talvez só quando morrer. Aí você fica uns dias triste, mas logo passa. Você ainda pode (e provavelmente vai) comprar outro.

Franjhunio não é veterinário mas entende de animal