Ó Paisagem nua, Dor! - Monólogos Franjhunio: O Malvado deus - Episódio II

sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Malvado deus - Episódio II


Da Silva de Deus acendeu um cigarro e observou o colega, sentado à sua frente que, calmamente, comia um acarajé:
«Há novidades Jesus? O malvado deus já foi encontrado? Sabe-se ao menos onde estará?»
Em resposta, o agente abanou a cabeça negativamente. Respondeu com voz surda e monocórdia:
«As pistas são confusas, chefe. O malvado deus foi encontrado em vários lugares e sempre à mesma hora. Porra, com tantos álibis, vai ser difícil conseguir provar os seus tenebrosos crimes. Repare só: anteontem, às três da tarde, na Ribeiro; às três e cinco minutos em Cajazeiras; eram três e oito minutos e era visto fazendo compras na Baixa do Sapateiro, onde se fartou de dar autógrafos, sobretudo a um grupo de homossexuais cristãos que se reuniam na ladeira do Taboão…»
«Essa criatura tem o dom de está em muitos lugares ao mesmo tempo, Jesus… está presente em toda a parte, por isso, nem sei como o conseguiremos capturar?»
O outro riu com desusada desfaçatez e depois sacou de um enorme pistolão:
«Mas sei eu, chefe. Sei eu! Olhe só para esta beleza, uma VP70 da Heckler & Koch que, com um adaptador para ombro, pode fazer rajadas de 3 tiros. Quando vir deus dou-lhe uma chumbada nos cornos e depois, sempre quero ver esse dom da onipresença…»

O semblante de Da Silva modificou-se:
«Onde você conseguiu essa arma?»
Jesus deu uma longa tragada de chá, encheu o peito de ar, os seus olhos brilhavam anormalmente, quando respondeu:
«Conheço um oficial superior do exército que… que… quer dizer?!»
O inspetor esmagou a ponta do cigarro no cinzeiro e semicerrou os olhos:
«Entendo, Jesus, entendo!»

Foi então que o telefone tocou. O inspetor segurou o fone:
«Estou! Sim, sim, sim senhor, entendido… vamos já para aí.»
Pousou o telefone e levantou-se.
«Acaba o chá, Jesus! Deus voltou a matar. Vamos!»

Minutos depois, um helicóptero à serviço da polícia, levantava com destino a Candeias. Num petroleiro fundeado ao largo, o malvado deus assassinara dois marinheiros, mais o imediato e o terceiro maquinista… a técnica usada fora igual à anterior; retalhara-lhes os corpos com uma faca roubada da copa e, sobre os cadáveres, deixara a imagem da senhora de Aparecida.

Ao observar os corpos, Da Silva sentiu um leve estremecimento. Fechou os olhos e deixou-se ficar assim, por largos minutos, só os abrindo quando o agente o abanou levemente:
«Sente-se bem, Senhor?»
«Esta noite tive um estranho sonho, Jesus… um estranho e sombrio sonho! É como… como se soubesse que estas mortes iam acontecer… no sonho, o malvado deus desviava um navio, fazia reféns os seus tripulante e depois, com crueldade requintada, cortava-os e atirava-os aos tubarões… diabos, os bichos, enormes, rodopiavam vorazes em volta do navio, brigando pelo melhor bocado…»

Fez uma ligeira pausa que aproveitou para tirar o lenço Fo bolso. Limpou o rosto que começava a suar copiosamente:
«Mas há mais Jesus, há esta comichão invulgar nos testículos… há aqui algo de fantástico e tenebroso… sinto-o!»
Voltou a olhar os corpos. Nada de especial… só os cortes horríveis, as vísceras das vítimas espalhadas pelo 2º deck, o sangue que escorrera e formara uma pequena poça e depois, depois o grito do agente Jesus de Deus:
«Veja isto, chefe! Uma pena presa na antepara…»
O inspetor deu um salto:
«Que porra, uma pena! Que quer isso dizer?»
«Uma pena de pavão, chefe! O arcanjo Gabriel continua cúmplice do malvado deus.»
«Temos de a analisar no laboratório, Jesus. Guarda-a com mil cuidados e, já agora, verifica se o malvado deus deixou impressões digitais?»

***
Terá o malvado deus impressões digitais? E será fácil detectar ADN, nas penas do sinistro arcanjo Gabriel? E a comichão nos testículos do inspetor, será sinônimo de premonições futuras ou, muito simplesmente, resquícios de uma praga de piolhos da púbis, também conhecidos por “chatos”? Não perca o próximo capítulo, desta magnífica saga que começa a despertar enormes paixões e a criar profundas fendas no tecido religioso do país.


Por Franjhunio

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