Ó Paisagem nua, Dor! - Monólogos Franjhunio: O SEGUNDO PRISIONEIRO - a HiSToRia SeCReTa da PHiLoSHoFia - PARTE II

segunda-feira, 28 de abril de 2008

O SEGUNDO PRISIONEIRO - a HiSToRia SeCReTa da PHiLoSHoFia - PARTE II


Pois bem, o desdentado ao meu lado, além de mostrar-se demasiadamente esbelto e corado, mesmo vivendo em uma caverna fedida e mal iluminada, falava de coisas que simplesmente eu não entendia o que me fez senti como um asno. Falava comigo em tom de segredo, quase sussurrando, para que ninguém ouvisse o que ele tinha a dizer. Revelou-me que tudo que acreditávamos não passava de mera especulação, sombras de uma realidade que não estava ao nosso alcance, nem nunca estaria, se não mudássemos de atitude. Sei não, mas quando ele me disse estas palavras, senti como se estivesse lendo um livro de auto-ajuda... “mudar de atitude”... esse conselho é igual a um “pretinho” básico, combina com tudo nesta vida...

Enfim, ele disse que tudo o que sabíamos da vida tinha relação direta com os nossos sentidos, mas que os sentidos, tal como são, não nos revelam tudo a respeito de nós mesmos, nem do outro nem do mundo, revela-nos apenas o reflexo do que as coisas realmente são. Confesso que achei aquilo tudo muito estranho... via estrelas a cada sentença que ele dizia. Como tive vontade de fumar hunzinho, mas... Sentia que ele confiava em mim, como se tivesse planos a meu respeito. Pensei que ele era mais um pederasta... Dizia ele que a vida lá fora possuía cores, aromas, formas completamente diferente daquilo que nós conhecíamos. O que julgávamos serem monstros, não passavam de sombras... E a luz que julgávamos possuir o poder de nos ferir, não era nada, em comparado com a grande luz emanada pelo astro que os outros chamavam de sol... Quando aquele cretino se referiu aos “outros”, me senti em um episódio de Lost, no corpo de Rodrigo Santoro, e pensei que nada daquilo tinha o menor sentido.

Mandei que ele calasse aquela boca fedida e disse que não passava de um maluco. Confesso que perdi as estribeiras. Gritei que ele enlouquecera e que para ele apenas restava à morte, uma morte rápida. Os companheiros tomaram parte da querela. A meu favor, é claro. E como ninguém mais agüentava aquela fedentina em forma humana, que agora excretava até pensamentos, concluímos que era chegado o fim. À medida que eu e meus companheiros arquitetávamos uma forma de entregá-lo ao hades, ele simplesmente pedia perdão aos deuses por nossa ignorância! Por deus, aquele filho de uma égua manca achava-se melhor que nós... Pior achava-se um messias! Como eu o odiei por isso... e quanto mais nós repudiávamos aquele ser, mais pena ele dizia que sentia de nós. Isso era o cúmulo do absurdo. Naquele momento fomos forçados a partir para a ignorância. Lembro-me que levantamos aquele corpo fedido pelos braceletes que o prendia à caverna. A brutalidade do ato fazia que grandes chagas fossem abertas à altura dos punhos e dos tornozelos. Ele não chorava, nem gritava, apenas nos olhava como um semblante de redenção e dó. Todos os prisioneiros cuspiram em seu rosto, que ficou desfigurado de tanta catarrada. O sangue pingava no chão. Meus companheiros aproveitaram aquele momento para extravasar todas as suas frustrações naquele corpo inerte. Foram desferidos socos e pontapés. O som abafado que julgávamos escutar não era de seu gemido e sim de seu cínico riso, que enfurecia ainda mais a mim e a meus companheiros. Alguém cansou de bater com as mãos. Paus e pedras foram alçados e a tortura apenas começara. O grito de um barbudo maltrapilho tirado a merda ecoou na caverna: “quem nunca errou que atire a primeira pedra”, e um jovem companheiro mais impetuoso, despontou uma pedrada no meio da testa do moribundo, e exclamou com ar solene: “nunca erraria a esta distância, meu caro”. O sangue escorreu de sua testa imediatamente, e daí, outras pedradas foram desferidas violentamente, acertado, sobretudo a cabeça e o tronco do imbecil. O cheiro de sangue, próximo ao aroma de ferro, se confundia com o cheiro agre das fezes e urina que empesteava o local.

Naquele momento, eu já possuía no íntimo certo constrangimento. Primeiro por não ter sido fiel ao cara que havia me confiado um segredo. E segundo, por ter sido eu o culpado direto pela execução de um companheiro, um companheiro esquisito, mas companheiro. Tentava eu, em vão, consolar-me com o pensamento comum de que aquilo era merecido. Afinal, quem era ele para julgar-nos? Por que logo ele teria a respostas para as nossas mais contidas dúvidas? Por que não um príncipe de olhos verdes e corpo helênico para nosso salvador ao invés daquele traste? Eram tantas as perguntas que passavam que minha cabeça, que quase não pude perceber o sangue daquele energúmeno nos trapos em que eu vestia. Agora, não apenas as minhas mãos estavam sujas de sangue...

Parece que eu tinha entrado por alguns estantes em um estado de transe... Subitamente, porém, voltei à normalidade. E fui tomado de uma grade repulsa. O corpo do destrambelhado estava inerte ao chão, quer dizer, o corpo não, o que restou do corpo. Os membros haviam descolado do tronco e a cabeça não tinha mais a mesma forma redonda tão peculiar aquele cabeça de ovo. A única coisa que parecia intacta era o olhar, não exatamente o olhar, mas o olho, já fora da órbita, que mesmo em meio àquele absurdo, reluzia um pequeno brilho, diabólico e angelical ao mesmo tempo. Os meus companheiros, aquela altura, tinham exaurido as suas forças. Estavam exaustos. Afinal de contas, tinham se esforçado muito. Pinochet teria tido muito orgulho deles e de mim...

O que restou do corpo foi retirado pelos companheiros mais carniceiros. A cena era terrível, deprimente para dizer a verdade. Eu fui o algoz daquele homem e me sentia culpado por tudo aquilo. Ora, o que um simples mal entediado podia gerar! No entanto, parecia que o remorso só havia tomado conta de mim. Todos os outros nada comentavam, ou melhor, voltaram à velha vidinha inútil, contemplando as sobras no paredão e disputando cada bocado de comida e água que surgiam às migalhas. Tentei dormi. E sonhei. Sonhei com objetos que nunca vira. Cores jamais imaginadas. E uma grande luz que me deixava cego. Nos meus sonhos também apareceu um homem barbudo, com muitos seguidores, e que dizia coisas interessantes para os seus interlocutores, em forma de alegorias e parábolas. Ele dizia coisas como: “eu sou a luz das estrelas” e “eu sou o início, o fim e o meio”, acho que ele se dizia o filho do homem. O nome desse cara estranho parece-me, era Raul Seixas...

Tive um sonho, porém, que me intrigou ainda mais. Sonhei que os deuses haviam me condenado a outro castigo. Eu agora era forçado a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha, de onde a pedra caía de novo, em conseqüência do seu peso. Tinha eu pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança. No entanto, enquanto descia ao pé da montanha para apanhar novamente o rochedo, era o companheiro que eu havia condenado a execução que eu via, e ele me ajudava a levantar o rochedo, para que eu retornasse ao cume.

Eu não sabia, mas ele foi realmente de grande ajuda para tudo mais que estava por vir... e veio...

... continua...

Um comentário:

Anônimo disse...

Kd a parte III? Tô sumida, mas tô lendo, viu?