Ó Paisagem nua, Dor! - Monólogos Franjhunio: Trivialidades

terça-feira, 8 de abril de 2008

Trivialidades


Há algumas coisas que o ser humano faz e costuma ter vergonha de admitir a seus semelhantes. Não estou falando de fraquezas tolas como gostar das novelas da Record. Refiro-me aos mais simples atos essenciais à nossa espécie. Hábitos e necessidades que todos temos. Um deles é ir ao banheiro. Ir ao banheiro pra fazer o número 2. É, dar uma defecada mesmo. Todo mundo faz isso quase todo dia, com exceção de modelos às vésperas do São Paulo Fashion Week, é claro, que não ingeriram nada que possa ser colocado para fora pelo caminho debaixo. No entanto, a maioria das pessoas tem vergonha de dizer que estava no banheiro conversando com o Barroso, passando um fax, ou levando um amigo do interior para conhecer o rio. Tão aí as inúmeras metáforas que não me deixam mentir. Lembro que quando eu era criança, minha mãe ficou uma fera comigo por eu ter atendido a porta dizendo que ela não poderia falar porque estava “fazendo cocô”. Ela saiu correndo de lá dizendo para a visita “ah, essas crianças, a gente entra no banheiro e elas logo pensam que a gente está fazendo aquilo”. Também lembro do constrangimento das pessoas que ligavam por engano lá pra casa e meu pai respondia que “o doutor Fulano não pode atender agora, pois está cagando”. Defecar é mesmo um tabu. Quem é que nunca falou “se me ligarem diz que eu tô no banho”, quando na verdade estava a caminho do grande trono de louça?

A coisa continua mais ou menos por aí com o hábito de se tirar meleca do nariz. Todo mundo faz isso com o próprio dedo e poucos são aqueles que gastam um cotonete para tal. Cada um tem seu próprio método favorito para se livrar do indesejável material, seja fazendo bolinhas que teimam em não soltar dos dedos, seja colocando debaixo da poltrona ou mesmo colando na sola do sapato. Já ouvi falar de um rapaz que tirava de uma narina e colocava na outra. Mas isso não importa. O fato é que pega mal paca meter o dedo no nariz em público. Engraçado é que atividades muito semelhantes não são tão condenáveis. Poucas são as pessoas que olham de cara feia para alguém que esteja tirando cera do ouvido. Menos ainda são os que vêem com maus olhos aqueles tiram remela. Mas qual é a diferença entre meleca, cera e remela? Elas são como primas. São todos produtos expurgáveis de partes do corpo. Por que toda essa discriminação com a filha do nariz? Por que ela é pior do que a filha da ouvido ou a do olho? E nem é preconceito de cor, já que a meleca muitas vezes tem a mesma coloração da remela, dependendo da qualidade do ar que você respira. Então por que toda essa vergonha de tirar meleca?

Mas de todas as vergonhas que temos, a mais absurda é a de estar dormindo. Por que será que sempre que alguém nos liga e nos interrompe o sono, nunca admitimos que estávamos dormindo? A gente atende o telefone com aquela voz esquisita e a outra pessoa saca a situação logo depois do “alô”. O colega pergunta se você estava dormindo e você prontamente nega, como se fosse uma coisa errada. Mesmo que esteja cedo à beça e que àquela hora era mais do que normal que você estivesse sonhando. E a gente ainda vai além de simplesmente negar.
- Você estava dormindo?
- Não, tava não.
- Mas você está com voz de sono...
- Não eu já tinha acordado há uns dez minutos, mas ainda estava na cama.

E por aí vai. Essa mania de as pessoas negarem que estavam dormindo, aliás, é uma das coisas que ainda me fazem ter fé na humanidade. Não acho que negamos que estávamos no meio do sono para não parecermos preguiçosos ou vagabundos. No fundo, no fundo, quem não admite que estava dormindo quando o telefone tocou quer mesmo é evitar que o interlocutor fique constrangido. Tanto que a tendência é que você negue que estava dormindo até quando um maldito operador de telemarketing liga de manhã para a sua casa. Se bobear, até se for engano você vai tentar disfarçar que estava dormindo. Taí um bom jeito de saber com quem você está lidando. Ligue para o objeto de estudo de manhãzinha ou bem tarde da noite, em uma hora que você saiba que ele está dormindo. Se a voz amassada disser que estava acordada, trata-se de um ser gentil, solidário e sensível. Se admitir que estava dormindo, mas que foi bom você ter ligado, pois estava mesmo na hora de acordar, você está lidando com uma pessoa que além de ser boa-praça e de saber que não vai enganar ninguém, ainda quer que os outros se sintam úteis. Mas se atender reclamando que estava dormindo e ainda soltar uma boa saraivada de palavrões, esta é uma pessoa de coração podre, que não liga para os sentimentos alheios e que não demora muito vai lhe decepcionar. Portanto, se por acaso você é um dos poucos que admitem que estava dormindo ao ser acordado por um telefonema, está na hora mudar de atitude. Consulte um hipnotizador, ponha um lembrete no telefone ou adote qualquer outro truque. Cedo ou tarde essa tática estará sendo usada por profissionais de RH ou por namoradas querendo saber se devem ou não se entregar para você.

Um comentário:

Favuca disse...

Peraê! Eeeeu tenho coração podre? Tu que é chato!!